Prevenir para não remediar

Passamos tempos em que a correria é tal que nos deixamos distrair pelo cotidiano e a nossa saúde é algo que vai ficando para trás. As dores aparecem e lá vamos nós procurar ajuda para tratar. Mas e quando não há dor? Significa que está tudo bem? Era bom que assim fosse, mas não é bem assim.

Falamos muito em prevenção em diversas áreas, mas a prevenção na área auditiva tem sido um dos parentes pobres de que muito poucos se lembram, a não ser quando as dificuldades surgem! Após o nascimento a avaliação já está bem implementada e os bebés passam pelo Rastreio Auditivo Neonatal (e muito bem!), e muitas das alterações são identificadas precocemente, o que facilida toda a intervenção, que acima de tudo aumenta a qualidade e eficácia da mesma. Mas e depois? Temos crianças lindas, que queremos muito que digam as primeiras palavras, que comecem a dar os primeiros passos, que comam sozinhos, que larguem as fraldas, e continuamos felizes (e muito bem!).

Chegada a altura em que é esperado que a comunicação esteja no seu ápice, vão faltando alguns itens. Letras trocadas: – “é preguiçoso, já o primo era assim! Vamos aguardar…”, e passam mais uns meses. No meio de todo o dia complicado e das actividades, resta depois pouco tempo para conversar com a criança e muitas vezes ouvimos: – “nós entedemo-lo! Às vezes até falamos como ele porque é tão engraçado!” E passam mais uns meses. E a criança continua a batalha do desenvolvimento, esforça-se e tudo lhe soa ao mesmo, repetindo exatamente aquilo que ouve. Nada lhe dói, então não é razão para alarme, e quando a idade avançar eles vão também dar o click e tudo passa!

Mas e se não for bem assim? Estima-se que nos países desenvolvidos, 20% a 25% das crianças em idade pré-escolar desenvolvam alterações no Ouvido Médio, que passam despercebidas por os sintomas mais frequentes serem atraso no desenvolvimento da linguagem, alterações comportamentais, febres pontuais, que em alguns casos possa ser acompanhada de otorreia, que quando a dor e/ou a febre desaparecem tudo parece ficar bem, mas a verdade é que nem sempre é assim.

No decorrer das conhecidas e típicas alterações respiratórias, as ditas “ranhocas”, é sempre importante certificar que os ouvidos ficam perfeitamente desimpedidos e livres para fazer todo o seu trabalho, que é fundamental para o desenvolvimento global da criança, porque no decorrer há muitas vezes derrame para o ouvido médio, em que não havendo dor, e a sensação ser somente de que estamos com o ouvido tapado, a criança não se queixa pois essa é a realidade que ela conhece.

E o que acontece de seguida? A criança continua a sua luta diária a tentar perceber a diferença entre os sons, mas continuam todos a parecer os mesmos, e assim os continuará a repetir. Não poderiamos nós fazer um check-up auditivo como fazemos os dentários?? Dá-se a entrada na escola e a exigência aumenta e passamos então para a Terapia da Fala, mas aí percebemos que afinal iremos ter um longo caminho pela frente, pois não passa só por treino, mas todo um novo ensinar a ouvir, para só depois conseguir falar corretamente e… ups… afinal há aqui algo no ouvido que devia ter sido tratado antes!

Apostemos um pouco mais na prevenção. É fundamental uma avaliação audiológica e de ORL entre os 2 e os 5 anos de idade, em que frequentemente aparecem estas alterações, e estamos a investir para não gastar mais tarde. Estas são alterações silenciosas, que sem uma identificação atempada, resultam num percurso muito mais moroso de tratamento, que sendo identificado precocemente evitamos muitas complicações futuras.

Já o velho ditado dizia: “Vale mais prevenir, do que remediar”, e neste caso até podemos dizer que: Gastamos menos tempo e dinheiro a prevenir, do que a tratar.

Audiologista Alexandra Patrão

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